Cinco quilômetros separam, em média, o Polo Industrial do centro de Camaçari. Foi essa a distância percorrida, boa parte a pé, pelo hoje historiador, professor, pesquisador e compositor letrista, Diego Copque, que atordoado em função da discriminação racial sofrida no ambiente de trabalho da época, nos anos 2000, rumou à delegacia de polícia da sede, a fim de registrar a violência sofrida. Tal fato marcou a sua vida e foi o fator propulsor para que buscasse saber mais sobre sua ancestralidade.
Apesar da delicadeza do tema, até mesmo em função do reconhecimento da persistência do racismo no mundo, Diego demonstra maestria ao relatar a experiência, de “deixar fluir” – talvez bem influenciado pelo movimento das águas do Joanes, ou do Jacuípe, rios referenciados no livro “Do Joanes ao Jacuípe – uma História de muitas querelas, tensões e disputas locais”, o qual é autor. Foi às margens dos rios, que o menino, originário de Salvador, encontrou o rastro das raízes de seus antepassados.
Membro da 10ª geração dos Köpke, nome que teve sua escrita aportuguesada para Copque ainda na Península Ibérica, foi o algodão, semeado no antigo Aldeamento do Espírito Santo, atual Vila de Abrantes, a ‘matéria-pista’ do entrelaçamento entre as histórias do jovem negro ameríndio camaçariense (não necessariamente nessa ordem) e a da Alemanha, em Portugal. “Minha família descende de um cônsul alemão”, atestou o historiador.
Tal descoberta fez Diego se sentir bastante chateado, à época. “Imagina você sofrer uma discriminação racial, você quer escrever algo que afirme a sua ancestralidade africana e aí você descobre que você é descendente de um alemão”, declarou frustrado. O pesquisador descobrira que sua árvore genealógica estava atrelada à de Nicholas Köpque, então cônsul de Hamburgo no país ibérico, a quem se atribui a fundação em 1638, da primeira companhia exportadora de vinhos do Porto, existente até os dias atuais.
Dois netos do fundador dessa companhia vieram para a Bahia. Um deles foi proprietário da segunda prensa de algodão do estado, onde hoje é o Trapiche Barnabé, situado na região do Comércio, em Salvador. “Na época em que esse meu ancestral foi o proprietário dessa prensa, uma das vilas da nossa região do recôncavo norte começavam a despontar como grande produtora de algodão, e era Vila de Abrantes. Meu ancestral exportava para a Europa o algodão que era produzido por aqui”, revelou.
Mas esse foi exatamente o ponto de virada da trajetória do trabalho de Diego. Esses fatos foram o primeiro contato da pesquisa com a história de Camaçari, trabalho que até então tinha um cunho genealógico. Outro ponto de provocação para o inquieto profissional, foi uma notícia publicada num exemplar do jornal A Tarde de 12 de setembro de 1977, cuja manchete era: “Camaçari começa a receber sua primeira leva de migrantes”, isso em função do Polo Industrial, cujo início de operação se daria dentro de alguns meses.
Já munido de algumas informações relacionadas a seus ancestrais e aos rios Joanes e Jacuípe, sempre muito presentes nas documentações encontradas pelo pesquisador, ele passou a fazer questionamentos. “Como foi Camaçari no passado? Como se deu o processo de sua gênese e evolução? ”, perguntava-se. “Fala muito em Camaçari a partir do Polo, mas quem foi Camaçari até chegar nele? Aí a pesquisa começou a me transportar para tempos mais remotos”, relatou.
Fruto dessa dedicação, Diego chegou a cumular dois armários cheios de fontes documentais. Avançou na história de Camaçari até o século XVI, nove anos depois da fundação de Salvador, quando constatou a evidência de que Camaçari foi fundada no dia 29 de maio de 1558. “É uma das cidades mais antigas do Brasil”, afirmou.
Para o pesquisador, esse dado histórico muda tudo. Seja do ponto de vista cultural, educacional, e até mesmo na perspectiva de investimentos para o setor turístico. “Camaçari perde muito em não se apropriar da sua verdadeira identidade, da sua verdadeira data de fundação. Deixar de figurar, isso comprovadamente, como uma das cidades mais antigas do país, só quem tem a perder são seus munícipes. É preciso que as nossas autoridades tomem nota disso e da necessidade de correção. Ao corrigir a data de fundação da cidade, não se está fazendo um favor a mim que sou o autor que trouxe à tona esses fatos que descortinaram essa história, mas se está devolvendo à cidade sua verdadeira identidade”, declarou Diego.
Como se vê, o antes ‘cego amante’ da Aeronáutica, fã da banda de rock brasileira Barão Vermelho no início da década de 1980, pesquisador por instinto, historiador por vocação (e provocação), letrista de autoria duvidada na própria família nos primeiros dias de incursão na arte da poesia e, ainda assim, figurinha festejada – e certa – nos festivais de cultura de Camaçari, Diego Copque é mesmo mestre na destilação de refinada irreverência. A quem um dia apontou sua tez negra como um problema, o neto negro ameríndio de cônsul alemão responde é com produção de história. E com H.
Para levar a história de Camaçari a mais camaçarienses, Diego, até o advento da pandemia, fazia voluntariamente palestras em escolas públicas e privadas no município, justamente para democratizar essas informações. Ele alia esse trabalho à publicação de artigos em revistas acadêmicas, sendo objeto de estudo de outros tantos. O historiador contribui ainda através da publicação de artigos na mídia local, como colunista, e se fazendo presente em eventos que tratam sobre a história da cidade.
Por ter na trajetória de vida experiências que o levou a contribuir com a história da cidade, e por buscar despertar nos moradores da cidade, através das suas pesquisas e da disseminação dela, o sentimento de pertencimento e de apropriação sobre o passado de Camaçari, Diego Copque é um Camaçariense que inspira.
Camaçarienses que inspiram é uma série especial criada em comemoração aos 263 anos de Camaçari, que segue até o final de setembro com a liberação de textos que contam um pouco da história de cidadãos que são verdadeiras riquezas humanas, cujo valor para o município reflete-se em seus feitos e histórias. Diego Copque é a quarta personalidade retratada pelo projeto.
Foto: Josué Silva