Durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), nesta quarta-feira (20), debatedores, entre eles o ministro das Comunicações, Fábio Faria, defenderam a aprovação do projeto que autoriza a privatização da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). Por outro lado, senadores ainda manifestaram dúvidas sobre os benefícios da proposta para a população. O debate foi conduzido pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e sugerido pelo relator da matéria, senador Márcio Bittar (MDB-AC).
O projeto que trata do assunto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora está em análise no Senado (PL 591/2021).
De acordo com o relator, o debate deixou claro que a empresa está perdendo lucratividade por não ter investimentos suficientes para sua modernização. Ele ainda observou que o serviço postal, que é monopólio dos Correios, vem caindo a cada ano em razão das rupturas tecnológicas, enquanto as entregas de encomendas, que já permitem a concorrência da iniciativa privada, têm crescido exponencialmente.
— Esse serviço (postal), que é oneroso, cai cada vez mais e aquele serviço que é lucrativo cada vez mais vai para o setor privado. Então parece que é uma conta que, pensando de forma honesta, não tem como voltar atrás. Então, se não fizermos nada, vamos chegar ao momento que todo setor de entrega de encomenda estará no setor privado e a nós brasileiros estará o ônus de pedir R$ 10, R$ 15, R$ 20 bilhões de subsídio para manter um serviço que não dá lucro (serviço postal).
No entanto, Bittar defendeu que a privatização venha com a garantia da manutenção ou ampliação da oferta de emprego aos atuais servidores da empresa, a preço acessível e a universalização dos serviços.
Já a bancada petista manifestou posição contrária à proposta e pediu mais debate no Senado. Eles criticaram a audiência pública desta quarta-feira por manter entre os debatedores somente representantes do governo federal, favoráveis ao texto. Para eles, o tema, considerado polêmico, precisa ser discutido com mais pluralidade. Mesmo após Vanderlan Cardoso lembrar que no início do mês a Comissão realizou audiência pública com representantes contrários à privatização, o senador Paulo Paim (PT-RS) pediu uma nova rodada de discussão com convidados dos dois segmentos para permitir o “verdadeiro debate com o contraditório”.
Já o senador Jean Paul Prates (PT-RN) alertou que o projeto trata da venda de um patrimônio que integra os mais de cinco mil municípios brasileiros, que engloba a mão de obra de 98 mil trabalhadores e garante o direito constitucional do acesso ao serviço postal. A sua privatização, argumentou, não seria estratégica porque significaria a entrega da sua estrutura e capilaridade em um momento de dificuldade, quando o país tenta se recuperar de uma crise pós-pandemia. Ele manifestou ainda preocupação em como serão realizadas as entregas de materiais que garantem atendimento em serviços públicos essenciais.
— Em relação a livros e materiais didáticos. São entregues 200 milhões de livros em 5.070 municípios. No dia do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), em três dias, provas são entregues em 15 mil locais diferentes. Medicamentos para atendimento do SUS, equipamentos de reposição em repartições, em unidades de serviço público do país. Ele também é um grande regulador comercial do mercado de encomendas – que ainda está aberto para as empresas privadas – e os Correios praticam um preço que é dois terços dessa concorrência.
Regulamentação
O secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, afirmou que mesmo que os Correios tenha registrado lucro, no ano passado, de R$ 1,53 bilhão, a empresa não conseguiu recuperar as perdas de anos anteriores. Ele lembrou que o lucro da empresa nunca ultrapassou a “imunidade tributária” de R$ 2 bilhões por ano e que esse recurso poderia estar sendo direcionado para áreas prioritárias para a população. Ele ainda observou que os serviços passarão a ser regulamentados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) passando a ser alvo de reclamações e cobranças o que permitirá um serviço mais transparente e eficiente.
— Quando falamos em serviços regulados, não só a qualidade aumenta, mas a gente consegue ter uma transparência muito maior quanto àqueles serviços que estão sendo prestados.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) contestou o argumento ao lembrar do processo de privatização do serviço de telecomunicações no país. Segundo ele, a iniciativa não garantiu a qualidade no serviço e na universalização do acesso à telefonia e a banda larga em regiões remotas no país. Para ele, o mesmo pode ocorrer com o serviço oferecido pelos Correios já que a iniciativa privada não teria interesse em atender localidades que não oferecem rentabilidade.
Prejuízo
O ministro das Comunicações, Fábio Farias, destacou que o governo tem interesse em tornar os Correios a maior empresa desse tipo de serviço na América Latina com a sua privatização e que, apesar de ser um tema delicado, há pontos no projeto que garantem a universalização do serviço postal a todos os brasileiros e a estabilidade aos funcionários até o final de 2023. Ele disse, ainda, que uma das maiores preocupações do governo é em relação à queda na contratação de serviços de entrega de encomendas. De acordo com ele, além de um prejuízo acumulado de R$ 3 bilhões, desde 2012, as seguidas greves ocorridas nos últimos anos fizeram com que as empresas de varejo aprimorassem sua logística e investissem nos seus próprios sistemas de entrega, o que está fazendo com que a companhia perca, a cada ano, de 20 a 30% desse tipo de contratação. Para ele, é inviável que o governo mantenha R$ 2,5 bilhões por ano para subsidiar e garantir condições de competitividade à empresa nesse setor.
— A empresa que entrar vai investir de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões por ano para modernizar e ganhar espaço.
O Presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), Marcelo Silva, se somou a manifestação do ministro e disse que os Correios não têm acompanhado os investimentos na modernização e estruturação da logística como demanda hoje o setor de varejo.
— A logística passou a ser um ponto crítico fundamental para o sucesso do varejo e a gente percebe que há dificuldade de contar com os Correios, nesse aspecto, porque a gente também entende que há um déficit publico para se investir nesse setor e existem prioridades de investimento do governo em setores mais críticos para a sociedade (…) A competição é assim agora: você entrega em 24 horas, em 12 horas ou até mesmo em 1 hora.
Garantias
Tanto a secretária especial da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, quanto o diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fabio Almeida Abrahão, destacaram que a desestatização não é somente uma “venda da companhia”. Segundo ele, a iniciativa estará associada a um contrato de concessão que coloca de forma responsável e justa “obrigações a serem cumpridas” para garantir critérios fundamentais como a universalização do serviço.
— Não é só uma privatização. É a venda da companhia e quem compra os Correios tem a obrigação de assinar um contrato com o governo com várias obrigações. Dentro dessas obrigações: manter os colaboradores dos Correios, um ano e meio para que esses investidores possam conhecer esses profissionais e avançar depois com novas contratações (…) temos a obrigação de atender todos os municípios brasileiros, temos a Anatel como agência reguladora checando a qualidade dos serviços, possibilitando que ela multe, penalize esse investidor. Temos a obrigação de investimento nos níveis da qualidade de serviço e nos avanços tecnológicos — enumerou Martha Seillier.
Interação
A audiência foi realizada de forma interativa, com a participação de cidadãos por meio do portal e-Cidadania. O senador Vanderlan Cardoso leu alguns questionamentos dos participantes, que em geral, queriam saber o motivo de privatizar a empresa quando esta registrou lucro no ultimo ano. Eles também manifestaram preocupação sobre as condições que serão garantidas para os atuais trabalhadores da companhia.
Fonte: Agência Senado